O infinito textual

Conseguira a tempestade que desejava provocar. Após ela, no entanto, não houve arco-íris algum. Houve um abismo. Houve um mar de ondas, glaciais por fora, magmáticas por dentro, rebentando-se em si mesmas.Mandei a um amigo, que também escreve e se maravilha com as possibilidades da escrita, para que ele me ajudasse a reposicionar uma vírgula, pois estava parecendo-me um tanto dissonante. O trecho exposto acima é o definitivo, já corrigido, pois o que convém aqui não é a vírgula bastarda, mas o que se seguiu depois: encarei bem aquelas palavras e cogitei a possibilidade de elas serem inéditas. Ora, que descoberta óbvia e, ainda assim, fascinante que pude fazer em meio segundo de reflexão: mesmo a língua portuguesa, rica e farta como é, com palavras que são comuns e talvez até triviais aos seus bilhões de falantes ao longo da história, e tão cotidianamente explorável como qualquer outro idioma vivo, é — vejam vocês — em grande parte inexplorada. Mesmo com seus incessantes encadeamentos de letras, fonemas, sílabas, palavras, períodos e orações, respectivamente; mesmo com um fluxo tão grande de associações que se dão a todo instante, por séculos, em exaustiva repetição; mesmo apesar disto tudo, ainda possui incontáveis possibilidades nunca antes testadas. Uma verdadeira Biblioteca de Babel à nossa espera, aguardando, latente, para ser escrita.
Os matemáticos mais assíduos certamente irão atentar à minha ingenuidade, dizendo que mesmo as mais improváveis combinações de palavras já foram antes tentadas, e lhes dou razão; entretanto, as possibilidades são tão grandes, tão avassaladoras, tão inimagináveis, que mesmo estas repetições inusitadas não são páreas para a imensidão inexplorada. É como se julgássemos ter desmatado toda uma floresta e eu descobrisse, de supetão, que diariamente abro novos caminhos nesta selva virgem e inexaurível que é a linguagem. Ainda que muitos tenham aberto seus próprios caminhos nesta infinitude simbólica, digo com certa dose de certeza que fui o primeiro a abrir aquele exato caminho da citação acima trazida, e com uma dose ainda maior e mais segura de certeza de que este próprio texto, que pelo leitor é lido, é mais um caminho único, nunca antes explorado.
Pergunto-me, não pela primeira vez (embora só agora eu tenha efetivamente ligado os pontos e resolvido me manifestar ao mundo, à eternidade das ideias cristalizadas chamada escrita), se o mesmo não ocorre com muitas ideias. Porque, vejam: mesmo sendo praticamente nulas as chances de alguém ter, algum dia, escrito um texto exatamente idêntico a este em termos de forma, não é tão improvável que já tenham escrito algo de conteúdo semelhante. Mas e se existirem pensamentos (ou, se quiser, conteúdos) tão específicos, tão particulares de cada experiência humana e momento histórico, que nunca foram antes pensados, e provavelmente nunca serão novamente formulados em termos equivalentes? Serão estas ideias únicas apagadas pelas falsas aparências da insignificância? Pela infeliz verdade do desinteresse alheio por nossos próprios mundos internos, detalhistas e profusos?
Realmente me entristece imaginar o mar de caminhos desperdiçados pelo esquecimento, pelo "talvez algum dia eu conte a alguém", pelo "pensando bem, ninguém iria se importar". Rogo para que, caso encontrem caminhos esquisitos e inabitados nesta loucura chamada pensar, que se aventurem também pela relva da linguagem — por mais piegas que soem estes meus votos, por mais unânime que pareça (e, de fato, seja) a repulsa e a apatia dos medíocres frente ao que lhes é estranho, e por mais fúteis que vossas próprias peculiaridades vos aparentem ser.