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segunda-feira, 19 de dezembro de 2016

O futuro, a tecnologia e o inconcebível


    Nas rodas de conversa entre amigos, sempre me entusiasmo imensamente com o futuro — e não posso deixar de sentir uma certa frustração ao constatar que este entusiasmo é pouco partilhado por eles. Sinto que, no geral, as pessoas não costumam realmente pensar sobre o que está por vir em termos tecnológicos; se o fazem, é quase sempre com uma animação morna, quase desinteressada, quando não sob uma perspectiva pessimista e temerosa. Não digo que não há o que temer, pois nem mesmo o mais ingênuo dos otimismos poderia desqualificar as críticas mais que válidas feitas por séries grandiosas, como Black Mirror, por exemplo; digo apenas o evidente: o futuro tecnológico não nos reserva apenas desgraças. Apesar de a tecnologia ter, eventualmente, finalidades sombrias, a tendência mais inevitável é a de que ela sirva, em maior parte, aos interesses imediatos da humanidade, em termos de acesso, comunicação, transporte ou o que seja — e se isso significa transfigurar as relações humanas, esta é uma questão posterior que não apaga as significativas benesses da vida moderna.
    O que mais me cativa é olhar para a história e perceber, por meio dela, como nossa visão sobre o futuro é terrivelmente limitada. Chega a ser fascinante pensar que, há trinta anos, sequer fazíamos ideia do que viria a surgir, como o que chamamos hoje de internet. Não só era algo imprevisível, como literalmente inacreditável: se voltássemos no tempo e contássemos às pessoas que seria possível a basicamente qualquer um comunicar-se com alguém do outro lado do mundo instantaneamente, não apenas por texto, mas por voz e imagem, isto seria com toda certeza mais fantasioso que falar sobre carros voadores. Apesar de estes últimos estarem muito além da capacidade técnica da época (como continua estando até hoje, eu diria), é algo absolutamente concebível, pois não quebra paradigmas; a internet, por outro lado, supera um obstáculo até então incontornável: a distância. Foi só achando outras formas de transmitir uma mensagem — que não pelo envio convencional, adstrito às rigorosas limitações da física mecânica tradicional — que criamos um novo paradigma; e se enxergamos hoje a internet como algo banal, tão maior se mostra o poder desta revolução tecnológica.
    Embora o desenrolar destas novas tecnologias seja monumental, o que é ilustrado quase ironicamente por infantos que sabem lidar com tablets mas não com revistas, o ponto nevrálgico do que quero aqui passar não é este, e sim o próprio fato de que todos os limites que nossa imaginação encontra hoje estão sujeitos a superações que fogem ao nosso paradigma atual. Talvez esta constatação seja um tanto óbvia a quem já está familiarizado com o debate científico, mas insisto em sua importância: é fundamental que jamais descartemos possibilidades de inovações tecnológicas só por parecerem ousadas ou inviáveis demais.
    Dentre as previsões que ouso fazer, estão as que lidam diretamente com a exploração e a materialização de nossas subjetividades. Gosto de pensar que, daqui a não muito tempo, será praticamente impensável que não éramos antes capazes de projetar nossa própria imaginação na realidade. Um passo nesta direção já foi dado: os óculos de realidade virtual, que hoje ainda engatinham, com um tímido espaço no mercado, decerto são uma poderosa promessa para o entretenimento futurista: em pouco tempo, dificilmente haverá jogos e filmes que não sejam totalmente tridimensionais. Arrisco que, aos olhos do amanhã, um filme 2D será equivalente ao que os filmes em preto e branco nos é hoje. Este tipo de atividade imaginativa é quase um exercício antropológico de estranhamento intertemporal.
    O futuro nos reserva, sim, o sobre-humano. Muitas das nossas limitações mais intransponíveis serão contornadas por paradigmas que, por enquanto, fogem à nossa compreensão. Só nos resta sorrir, imaginar e, por último, esperar.