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quarta-feira, 30 de novembro de 2016

O artista à sombra do anonimato


    Escrever exige postura. Parte da aura mágica da leitura tem como ingrediente a imagem que o leitor possui do autor, e embora seja possível e até desejável que esta imagem se molde à luz do texto, parece-me que é muito mais frequente o contrário. É evidente que a arte jamais é dissociada de sujeitos, mas é profundamente preocupante perceber que por vezes estes são até mais importantes que suas criações em si — um quadro branco com um respingo de tinta só vale milhões se tiver sido produzido pela pessoa certa. E que fazer dos que não têm renome? Dos que se devotam com sinceridade às suas artes mais íntimas, e sobre os quais jamais pousam os holofotes do reconhecimento porque a humanidade não parece estar interessada em dar fama aos ignorados, aos de passado e futuro relegados ao desconhecimento?
    Não que dinheiro realmente avalie alguma coisa, ou tampouco a atenção massiva das multidões sedadas, porém, se por um lado esta liberdade anônima liberta, ela também nos acorrenta à nossa própria solidão. É por gritarem e não serem ouvidos que muitos desistem de gritar, ou mesmo passam a desacreditar nas próprias denúncias. Entristece-me ver a ode cega a clássicos de outras épocas, exaltações absolutas a obras e gostos importados, enquanto ignoramos as súplicas existenciais de nossos próprios vizinhos, que clamam, sentem e retratam nossa própria realidade. O que me incomoda não é que haja clássicos, mas que eles detenham uma exclusividade asfixiante que nos aliena de nosso próprio mundo. Estou farto de neve, de romances mediterrâneos, de conflitos medievais. Quero ver a nós mesmos, plenos em nossa história e cotidiano; e sei que estamos ali, em algum lugar! Em produções artísticas domésticas, viscerais e sublimes que se escondem debaixo de nossos olhos, invisibilizados pela desatenção mórbida.
    Quantos artistas grandiosos não morrem na surdina, longe da atenção pública? Quantos Machados e quantas Clarices não enterramos sem ao menos saber? Trata-se não apenas de representatividade, mas sobretudo de oportunidade; de dar voz aos vencidos, a quem vive o aqui e agora. Eu quero encontrar os Dostoiévskis tupiniquins e escutar o que eles têm a dizer. E você?