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sexta-feira, 11 de novembro de 2016

Como ter sonhos lúcidos


    Você certamente já deve ter ouvido falar dos sonhos lúcidos; porém, apesar de serem amplamente difundidos, é comum que haja uma certa confusão quanto ao que os define exatamente, ou mesmo quanto aos métodos para atingi-los. Venho, então, compartilhar minha experiência e dar minha singela contribuição à disseminação deste glitch da mente humana, que, na mais tímida das hipóteses, é um grande passo em direção ao autoconhecimento.
    Embora existam outros elementos que possam caracterizar os sonhos lúcidos, como a habilidade de controlar a realidade onírica a seu bel prazer, estas são decorrências posteriores que podem ou não estar presentes, e que, por si só, não definem nada. Um sonho só é lúcido, como o próprio nome já sugere, quando você, dentro dele, sabe que está sonhando. A quase-totalidade das técnicas que me permitiram ter sonhos lúcidos com frequência diz respeito a, justamente, identificar que se está num sonho. A partir daí, é só uma questão de testar as possibilidades de seu próprio universo interno.
    Como sei que estou sonhando? Bem, após alguns anos de varreduras em fóruns da internet, descobri e testei muitas formas; todas elas se baseiam em falhas de realidade, já que a "física dos sonhos" possui alguns defeitos que parecem se aplicar a praticamente todas as pessoas. Trago aqui as principais:

    1. Mãos
    Este é o mais útil e mais confiável sintoma onírico. Nos sonhos, suas mãos jamais são idênticas às da realidade. Suas características variam de sonho para sonho, sendo uma mais bizarra que a outra. Comigo, é muito comum que eu tenha mais de sete dedos em cada mão, ou apenas três; por vezes, os dedos são desproporcionalmente finos e longos; e, num sonho muito específico, cada dedo apresentava outras cinco ramificações, como uma mão elevada ao quadrado.

    2. Espelhos
    Se algum dia você se olhar no espelho e ver-se a si próprio deformado, como uma anomalia monstruosa que só com alguma dificuldade lembra um ser humano, não se assuste: você está sonhando! Dentro dos sonhos, os reflexos dificilmente conseguem reproduzir a realidade com sucesso.

    3. Relógios
    Sejam analógicos ou digitais, os relógios nos sonhos são totalmente malucos. Assim como as mãos, seus ponteiros ou números apresentam características muito voláteis e imprevisíveis, podendo rodopiar, contorcer, piscar, desaparecer ou mesmo indicar horas absolutamente improváveis.

    4. Céu
    Este é um indicativo um pouco controverso, pois parece funcionar com uma quantia um pouco menor de pessoas. No entanto, eu próprio já olhei para o céu dentro dos meus sonhos e me surpreendi ao ver auroras boreais de todas as cores, fumaças inusitadas, e, certa vez, até mesmo pisca-piscas de Natal.

    A recomendação oficial da maior parte dos estudiosos da onirologia é a de que, para garantir sonhos lúcidos frequentes, é preciso antes fortalecer a memória temporária dos sonhos, uma vez que eles tendem a dissolver-se em poucos minutos após acordarmos. Isso explica por que boa parte das pessoas acha que não sonha — na verdade sonha, mas não tem memória alguma. A dica, então, é anotar num caderninho de cabeceira, logo que acordar, o que você sonhou. Não é estritamente necessário: eu mesmo nunca o fiz, tanto por achar inviável, quanto por não precisar; mas definitivamente ajuda.
    Quanto aos indicativos, é claro que só conhecê-los não basta; é preciso checá-los com uma certa regularidade. Existem muitos tutorais por aí que ensinam a criar um impulso automático de olhar para as próprias mãos várias vezes por dia, mas não sou muito afeito a este tipo de condicionamento forçado e artificial. A dica que eu dou, e que funciona para mim, é checar as próprias mãos sempre que algo estranho na realidade acontecer (porque os sonhos costumam ser bem ilógicos, ainda que de modo sutil), de forma que, eventualmente, a própria curiosidade de saber se você realmente está acordado te motivará a realizar o reality check.
    No entanto, é particularmente importante a parte em que eu disse que é preciso "testar as possibilidades", pois nem tudo é possível. Tomar consciência de que se está sonhando, apesar de ser o mais importante passo, nem sempre é suficiente; leva certo tempo até que se aprenda a controlar o sonho. Voar, por exemplo, talvez seja a primeira coisa que todos tentem fazer ao se darem conta do poder que têm em mãos, mas é algo um tanto difícil; eu mesmo nunca consegui, pelo menos não sem cair e acordar. A já mencionada "física dos sonhos" funciona de uma forma deveras misteriosa. Existem técnicas para esse tipo de coisa, mas são muito mais pessoais do que universais. Um ótimo conselho que li uma vez, e que me surpreendeu ao funcionar, é o que me ensinou a fazer pessoas aparecerem. Apenas imaginá-las não basta — mesmo porque, na realidade, ninguém simplesmente surge, de repente. Neste caso, o que funciona é imaginar que elas estejam atrás de uma alguma porta que esteja à vista e então abri-la: a expectativa costuma se concretizar, e lá está a pessoa. Ou não; por vezes, percebemos como nossa mente é travessa e foge ao nosso próprio controle.
    Para todos os efeitos, a experiência de ter um sonho lúcido é fascinante. Digo sem medo que todo ser humano* deveria ser capaz de explorar seus sonhos; de certo modo, não deixa de ser um simulador natural da própria realidade que vivemos, com um potencial enorme para testar novas ideias, enfrentar nossos maiores medos e observar a força e a sutileza do nosso próprio inconsciente. Mês passado, por exemplo, decidi, dentro do sonho lúcido, analisar de perto os detalhes dos objetos, para ver se os "gráficos" da minha mente eram tão bons quanto os da realidade. Olhando uma maçaneta a poucos centímetros de distância, fiquei assustado com o quão detalhada ela era, como se tivesse sido esculpida em alta definição pela minha imaginação involuntária. E, já no embalo de compartilhar experiências oníricas, foi engraçada certa vez em que, conversando com minhas amigas, e tendo uma consciência súbita de que eu estava sonhando, retruquei com elas quando disseram que iam dormir: "Não vão não. O sonho é meu e vocês são meras NPCs, frutos da minha imaginação. Não vão me deixar falando sozinho." Elas aceitaram.
    E para os que, como eu, têm sono leve, também existem formas de tentar prender-se ao sonho quando sentir aquela familiar sensação de estar acordando. Costumo usar duas técnicas, e, por mais ridículas que possam parecer, garanto que funcionam. A primeira é esfregar as próprias mãos; já a segunda, dar voltas em torno de si mesmo. Isso costuma concentrar a atenção no âmbito interno do sonho, não deixando que barulhos da realidade externa te arranquem de lá. Ah, e aqui vai outra dica importante! Evite lugares escuros. Pelo menos até onde pude constatar, são áreas não geradas pela mente; cair neste vácuo muito provavelmente vai te fazer acordar.
    Torço muito para que, com isso tudo, eu consiga ajudar os leitores a também terem essa experiência maravilhosa. Mesmo que pareça (e, de fato, seja) difícil no começo, reforço que é completamente possível eventualmente ter mais e mais sonhos lúcidos, não só por meio do acaso, mas também e sobretudo por reiteradas tentativas. Sou a prova viva disso: após cerca de dois anos de prática, consigo ter de três a oito sonhos lúcidos por mês. Mentalizar, antes de dormir, a si mesmo acordando dentro dos sonhos, por exemplo, costuma ajudar consideravelmente. Da próxima vez que for se deitar, lembre-se: uma viagem para dentro de si mesmo pode estar te esperando, com possibilidades lindas e inesgotáveis. Aliás, como sabe que não está sonhando neste exato momento?

*Após postar o texto, fui informado por alguns amigos que os sonhos lúcidos podem ser particularmente aterrorizantes para quem possui Síndrome do Pânico, bem como para quem tem propensão a ter Paralisia do Sono.
Ficam aí importantes advertências.