Por que abandonei o Direito

Por óbvio, este texto não é um ataque ao Direito, seja enquanto curso, seja enquanto instituição, muito embora eu tenha severas ressalvas quanto a ambos. Antes, é muito mais um relato, um desabafo, sobre desilusão pessoal. O maior erro que cometi, e que, ao que me parece, é cometido pela quase-totalidade dos estudantes de Direito, foi não saber distinguir entre o que o curso representa e o que ele de fato é. Ao prestar vestibular, minha escolha não estava propriamente fundamentada no desejo de exercer as profissões jurídicas, e sim no apreço pela imagem social de um estudante de Direito. Com efeito, foi esta a imagem à qual me apeguei, dizendo para mim mesmo, ainda que de maneira profundamente implícita, que estudar Direito significava possuir uma identidade de quem argumenta e se inconforma, de quem não admite injustiças; imagem esta que é vista pela sociedade com bons olhos. Entretanto, apesar de isso se confirmar em algum grau (o que também é altamente questionável, embora não seja esse o mérito da questão), o que o Direito realmente é diz muito mais respeito à atividade intelectual e profissional das ciências jurídicas.
Em outros termos, é de extrema importância jamais confundir a imagem do Direito com o seu conteúdo prático. Ao tentar convencer a mim mesmo que valia a pena continuar no curso somente e tão somente por ter me apaixonado ao que ele representa, enquanto não possuo qualquer afinidade a tudo o que esteja diretamente ligado à sua essência efetiva, eu me assemelhava a um médico, por exemplo, que se mantém na profissão apenas por gostar de usar jaleco e ter uma clínica, embora deteste lidar com o corpo humano e atender pacientes. Os que desejam ser minimamente realizados em sua profissão não podem se apegar a símbolos vazios e ignorar vigorosamente o que ela significa em termos reais. Isso seria não apenas viver uma ilusão, mas também estar fadado à minha própria incompetência, fruto inevitável desta total inaptidão para satisfazer de forma decente a atividade profissional jurídica.
E por que, afinal, tenho tamanha aversão ao que o Direito de fato é? É muito simples: ele parte de uma lógica sistêmica que se mostra absolutamente incompatível com o tipo de atividade intelectual que desperta em mim interesse e habilidade. A racionalidade do Direito é inexoravelmente uma racionalidade técnica. Ainda que seja possível estudá-lo a partir de perspectivas propedêuticas, e não apenas dogmáticas, o cerne do raciocínio se volta sempre, em última instância, para questões técnicas; não são raras as vezes em que juristas gastam longas e prolixas quinhentas páginas para discutir minuciosidades terminológicas que, apesar de terem sim importantes consequências práticas, não conseguem segurar a minha atenção por mais que dois minutos. E apesar de haver exceções pontuais, como em disciplinas mais amplas como História do Direito, mesmo estas são incapazes de gerar em mim o mais parco entusiasmo. Isso me leva a concluir que não só a racionalidade do Direito me é insípida, como também o é sua temática imediata: a norma. Como poderia eu, então, dedicar minha vida ao Direito se tanto o modo de fazê-lo quanto sua matéria-prima me causa, na mais generosa das hipóteses, uma profunda apatia?
É claro que existem muitas outras disfunções graves no Direito, mas nenhuma delas foi realmente decisiva para o meu abandono, embora tenham certamente pesado na decisão. Exemplo disso é a negligência gritante com a retórica, uma das características que mais me atraiu para o curso e que, no entanto, parece ser tratada como um instrumento absolutamente secundário (quando muito) para o qual se dá pouca ou quase nenhuma atenção. Os argumentos de autoridade são muito mais revelantes e frequentes, até onde pude observar. Admito que esses problemas, assim como muitos outros, não são exclusividade do Direito, mas tive a nítida impressão de estarem particularmente reforçados e naturalizados nas instituições jurídicas. Não deixa de ser preocupante, uma vez que a prioridade dos juristas e operadores do direito aparenta estar, muito mais que na Justiça ou em qualquer outro valor primordial, na batalha de egos e em rivalidades imaturas entre "clãs".
De todo modo, já antecipando os interrogatórios familiares de fim de ano, me vejo na necessidade e na possibilidade de esclarecer algumas questões que sequer deveriam ser levantadas. Em primeiro lugar, apesar de a carreira jurídica oferecer caminhos financeiramente mais confortáveis, isso não significa que seja impossível prosperar em outras áreas profissionais, sobretudo se você por elas se interessa e se qualifica. E mesmo se este delírio de senso comum fosse verídico, e de fato só fosse possível ser bem sucedido seguindo as três grandes carreiras (Direito, Medicina e Engenharia Civil), eu francamente não estaria disposto a sacrificar quarenta anos de minha vida — ou até mais, dadas as temerosas alterações na Previdência Social — em profunda infelicidade profissional apenas por dinheiro. Não estou sendo hipócrita e dizendo que dinheiro não é importante, e sim que o dinheiro, por si só, não pauta a minha vida; vejo ele como meio, não como fim. A mim, tão importante quanto ser remunerado de forma justa é desempenhar uma atividade que me cative e para a qual eu possa verdadeiramente contribuir. Isso não significa dizer que todos devem seguir o mesmo, e sim que ninguém, absolutamente ninguém, pode impor sua própria lógica de vida a mim ou a qualquer outro alguém.
Não sou ingênuo de acreditar que construir uma carreira na Psicologia será um mar de rosas, ou mesmo que não encontrarei frustrações e obstáculos. Contudo, estou totalmente seguro que me encontrarei neste tipo de atividade, sendo o estudo da psique humana uma verdadeira paixão desde a infância, e ainda mais agora no início da vida adulta. Mas isso já é assunto para outro texto.