Amizades
Estou percebendo — da forma mais desgastante possível — que ter uma boa convivência social é encontrar a medida certa. E há poucas coisas mais difíceis na vida do que encontrar a medida certa, seja para o que for. No caso das relações com o outro, trata-se de um equilíbrio que oscila entre os extremos da solidão total e da saturação social. Ou seja, a questão é encontrar uma forma de não se isolar emocionalmente da presença do outro (pois em alguma medida isso te isola da própria realidade), mas também de não se deixar consumir pela energia das pessoas.
Eu me encontro em ambos esses extremos com alguma frequência, e apesar de o extremo da solidão ser bastante devastador — pois me esvazia de propósito, sentido e motivação —, basta que eu passe (como passei ontem e hoje) pelo extremo da saturação social para que eu perceba que a solidão é um alívio. Não convém identificar as pessoas com quem passei tempo e que me desgastaram; apenas que são duas pessoas que admiro intelectualmente, de quem aprendi muito durante minha vida e até hoje posso aprender (embora de forma muito limitada). E é bastante interessante passar um tempo com elas, mas somente se este tempo for curto: o que a experiência me ensinou é que, por um tempo prolongado, ouvi-las falar, falar, falar e falar é uma das coisas que mais me exaure na existência. Não é um desgaste físico, propriamente, mas o desgaste mental e emocional é tamanho que acabo sentindo-o em meu corpo também.
Não acho por nenhum momento que eu não tenha responsabilidade alguma em sentir isso. Eu sou alguém que me entrego demais à energia das pessoas; a um ponto que, quando estou conversando com gente de personalidade muito forte, é quase como se eu não tivesse minha própria energia. É como se, ao entrar em contato com a chama interna de alguém, a minha chama se mesclasse à da pessoa em questão e perdesse sua própria intensidade independente. Minha chama consegue ser plenamente o que é apenas quando estou sozinho, sobretudo quando estou escrevendo: aí, em vez de mesclar-se à do outro, ela volta a ter seu próprio tom incolor e estável. (É importante lembrar que uso os termos “energia” e “chama” em sentido metafórico, não ontológico.) Acho que isso me ajuda a entender por que muitas vezes não consigo escrever: porque minha chama está muito contaminada com as cores do outro, e aí eu não consigo me ser. E a escrita, como tenho a impressão de já ter dito em pelo menos cinco outros textos, é o próprio ato de se ser — ao menos quando plena.
Existem outras pessoas, porém, como minha amiga I., cuja energia é tão amena e tão calma, da cor de um profundo azul-safira, que em vez de me saturar, acaba intensificando as cores da minha própria chama: não por coincidência, mas por me dar espaço — e muitas vezes encorajamento — para que eu me seja. Isso é o oposto de todas as outras relações com as quais estou acostumado: durante minha vida toda, me relacionar com pessoas foi uma questão de me adequar ao que a chama delas me impõe. É por isso que a presença de I. me é tão curativa: pois ela me causa algo oposto ao sentimento tão habitual de estar sufocado. E isso vai tão na contramão das minhas relações que, às vezes, quando I. me faz uma pergunta sobre mim, eu não sei o que responder. Minha chama às vezes se revela incolor demais — talvez justamente porque eu esteja viciado em aderir à cor dos outros.
Estou incomodado porque eu gostaria que a linguagem deste texto tivesse saído leve e poética, mas acabou saindo, pelo menos aos meus olhos excessivamente autocríticos, muito pesado e rebuscado. Então vou tentar ser mais direto e menos explicativo: passe a observar a sua própria energia quando está em contato com as pessoas. Com isso, o meu conselho é que faça o possível para cultivar as amizades que te façam se sentir bem, conectado consigo mesmo, que despertem uma versão boa, leve e confiante de si; e, da mesma forma, procure dar um basta nas amizades que te jogam lá pra baixo, que te saturam, que te façam se sentir culpado por ser quem é. O maior indicativo disso é o medo: se você tem medo de dizer algo e soar ridículo, ou bruto, ou irritante, ou o quer que seja — então esta provavelmente não é uma amizade que te acrescenta.
Não se trata de instrumentalizar as amizades, e sim de filtrar as relações saudáveis das relações tóxicas. A gente tem, sim, que aprender a lidar com relações nocivas sem fugir delas, enfrentando-as e aprendendo com elas, mas jamais continuar cultivando-as por mera obrigação ou tradição. É só uma questão de se aproximar das pessoas que te fazem se sentir confortável para se ser livremente, sem constrangimentos, até que um dia você possa sentir o mesmo inclusive diante de pessoas que antes te intimidariam.
As pessoas precisam, sim, ser filtradas. Não tenho dúvida disso. Desconfie de qualquer um que venha com um discurso universalmente bondoso de que você não deve fazer restrições às amizades. Poxa, você está se abrindo a uma pessoa; pode ser muito danoso deixar qualquer um entrar sem qualquer critério. E quanto a “tomar as pessoas sempre como fim em si mesmo”, mando Kant à merda. Amizades são importantes demais para serem indiscriminadas.
Eu estou absolutamente exausto de dar o meu melhor a pessoas que se veem no direito de presumir que eu tenho a obrigação de considerar seus interesses relevantes, quando, ao mesmo tempo, não têm o menor pudor em demonstrar que os meus interesses lhe são totalmente irrelevantes. Estou farto — e, sinceramente, emputecido — em ter demorado tanto tempo para perceber que aquilo que eu disse, de me censurar por medo de ser julgado, é algo que me mata de dentro para fora, e que eu não posso mais permitir. Eu sei que o “culpado” sou eu por ter permitido que as pessoas tivessem esse poder sobre mim, mas não pude de fato visualizar isto até que encontrasse amigos verdadeiros que me fizessem sentir totalmente confortável por ser quem eu sou. Não se trata de não receber críticas, mas de não ser diminuído por elas. Acho realmente que as amizades têm esse poder, de nos dar — ou tirar — a confiança de sermos quem somos, e de enfrentar o mundo com o queixo em pé.
(Aliás, obrigado, L., por ser uma das pessoas que mais me iluminou nesse sentido. O seu medo de parecer ridícula diante das pessoas, e a liberdade que eu e você nos damos mutuamente de sermos quem somos, me fez perceber que não devemos abaixar a cabeça a ninguém — muito menos a quem não consegue nos ver de verdade. Você é incrível. Somos incríveis. Vamos lutar todos os dias para que o desinteresse, deboche e julgamento das pessoas não nos impeçam de ver e viver o nosso próprio brilho.)
Este texto pertence ao livro Calma Tormenta.