Signos: utilizar, sem acreditar

Costumo incomodar tanto quem crê em signos, quanto quem acha tudo uma grande baboseira esotérica. É que eu continuo com o meu ceticismo científico, sem no entanto aplicá-lo com rigor nas futilidades do cotidiano, nas brincadeiras sociais, especialmente se consigo extrair delas algum sentido, ainda que este seja não real, mas simbólico.
Qualquer um que tenha um mínimo de seriedade metodológica não acredita realmente que a posição dos astros, a depender do dia em que você foi parido, tem qualquer impacto significativo na sua personalidade. Epistemologicamente isto é indefensável. Em termos mais simples, pensando-se em como o homem obtém conhecimento concreto e objetivo sobre o universo, e tendo uma educação científica verdadeira, isto é, possuindo uma noção sólida de como (e por que) se faz ciência, não é minimamente plausível crer que posições de massas condensadas no espaço sideral possam influenciar aspectos psicológicos de um ser humano. Isso fica particularmente evidente, para não dizer óbvio, quando se compreende o mundo por lentes existencialistas.
É claro que você tem o direito de ter um paradigma místico e desconsiderar a ciência como único método de obtenção de conhecimento objetivo* sólido, mas isso significa admitir que você não entendeu o que faz de uma ciência, ciência. A ciência não tem o privilégio da credibilidade apenas por mera convenção; é claro que o tem por convenção, uma convenção assentada na lógica ocidental e positivista, mas há um motivo muito claro para esta confiabilidade. A ciência não é confiável porque "os cientistas disseram", mas por princípios estruturais de autorefutamento e de método rígido que agem a partir da ignorância, admitindo-a e trabalhando em cima dela, em rumo ao aperfeiçoamento contínuo. As pseudociências querem usufruir da mesma credibilidade, mas justificam a ignorância com a própria ignorância (fazendo uso da falácia do apelo à ignorância), e blindam suas premissas com fortes raciocínios circulares.
"Para julgar a astrologia, é preciso primeiro estar a par dos estudos astrológicos profundos e atualizados." Não, não é preciso. Não importa o quão complexa e elaborada a astrologia é internamente se (1) as premissas não se sustentam epistemologicamente, e se (2) seus resultados são comprovadamente uma ilusão causada por muitos de nossos vieses cognitivos, sobretudo o viés da confirmação. Como explica o canal Nerdologia num vídeo muito completo de cinco minutos, a astrologia (A) costuma ignorar importantes descobertas astronômicas (como a precessão dos equinócios, ou os novos planetas e constelações descobertos nos últimos séculos), o que demonstra o descaso com uma metodologia comprometida com a superação das antigas verdades; e (B) foi demonstrada totalmente falível nos testes duplo-cego, como no famoso experimento de Shawn Carlson, publicado na Nature: quando se retira a intervenção subjetiva, a efetividade estatística dos signos se reduz a chances aleatórias.
Bem, agora que a esquerda universitária pós-moderna está em total fúria, chegou a hora de desagradar as pessoas com um senso científico tão pretensioso e orgulhoso que quase se ofendem quando alguém fala em signos. Fiquem vocês irritadiços ou não, o fato é que os signos astrológicos, enquanto um sistema simbólico, servem para falar de coisas reais. Embora os signos em si não sejam reais, muitas vezes eles prestam um papel representativo a certos esteriótipos multifacetados com os quais nos identificamos (ou não), permitindo que conversemos sobre questões extremamente verdadeiras sobre nossa estrutura emocional, a qual seria difícil abordar de maneira tão fácil e lúdica.
Imagino que visualizar a simbologia envolvida em certos processos é bastante difícil para pessoas que ainda estão submersas no paradigma da consciência, segundo o qual as coisas ou são, ou não são, objetivamente, e fim de papo; no entanto, uma vez que obtêm alguma familiaridade com o paradigma da linguagem, que mostra que a relação entre o sujeito e o mundo é construída e mediada por significações,1 compreendendo que a realidade percebida é constituída subjetivamente pelas experiências do sujeito, passa-se a saber valorizar os aspectos simbólicos e imaginários que dão sentido à vida das pessoas, e que, em última instância, revelam e interagem com aspectos reais.
Vou criar um exemplo banal para ilustrar o que estou querendo dizer. João tem seu sol em Leão, seu ascendente em Capricórnio e sua lua em Sagitário. Quando vai ler a respeito, descobre que, segundo a astrologia, isso significa que ele é vaidoso em seu íntimo, e se possui uma autoestima tão baixa, é justamente por ser muito preocupado com a sua autoimagem. Contudo, tendo Capricórnio como ascendente, João age, externamente, como uma pessoa pé no chão e focada, por vezes sistemática demais na sua própria maneira de fazer as coisas, passando a impressão de que não se preocupa tanto com sua aparência quanto de fato se preocupa. A lua em Sagitário sugere ser muito comum que João se isole emocionalmente, afastando as pessoas que ama para ter momentos para si, mas, ao mesmo tempo, sendo extremamente dependente do apoio emocional — e social — destas pessoas. Em suma, João se fere internamente por estar sozinho, mas não tem autoestima o suficiente para abrir-se com seus amigos. (Vocês estão pensando o quê? Que eu não entendo de signos? Eu sou de humanas, não estou fazendo mais que a minha obrigação.)
É claro que essas são características genéricas com as quais muitas pessoas irão se identificar, mesmo as que tenham nascido em outros dias. João as identificou no meio das outras como as que mais lhe serviram, ignorando as que não lhe serviram sob a justificativa de que "tem que ver o resto do mapa astral". É justamente assim que funciona o viés da confirmação. Não estou negando isso. Mas é precisamente em virtude do fato de João ter se identificado com essas características que os signos têm alguma utilidade, pois se referem a aspectos reais que ele encontrou mais nítidos em si após vê-los representados pela astrologia. E se existe uma riqueza de profundidade psicológica nesta análise simbólica, não podemos descartá-la apenas em função de os signos não fazerem sentido científico.
"Mas, Régis, você não acha uma ignorância quase religiosa julgar alguém pelo dia em que ela nasceu?" De fato, é possível que eventualmente justifiquem muita estupidez infundada fazendo uso do zodíaco, bem como de toda espécie de esoterismo. Mas essa é uma postura que deve ser criticada e que eu não defendo. Quando digo que acredito nos signos apenas simbolicamente, sem levá-los a sério, é exatamente a isso que estou atentando. Os esteriótipos seletivamente evidenciados pelos signos devem ser utilizados como uma forma de brincadeira para apontar, de maneira divertida e descontraída, aspectos do real que podem encontrar mais visibilidade no simbólico; jamais como uma maneira de explicar o real em função do simbólico. Quando digo que "Fulano é encrenqueiro porque é de Áries", existe uma ironia transbordante em minha voz. O fato de essa afirmação ser tão obtusa que chega quase a soar ridícula é justamente o que confere a graça à brincadeira, em conjunto com o fato de, no caso em questão, Fulano ser, realmente, estourado — e por isso fazer sentido [simbólico] que ele seja de Áries, e não o contrário.
Em resumo: acho ingênuo e implausível alguém sensato acreditar verdadeiramente em signos, mas acho igualmente estúpido alguém odiá-los como se não houvesse neles aspectos úteis ao convívio social e à autoanálise. Minha utilização da astrologia é sempre simbólica e divertida; quem não entende isso, não será capaz de captar em minhas palavras até onde estou sendo irônico, e até onde estou sendo sério.
Mas é claro que talvez eu só tenha dito isso tudo por ser de câncer. Muito drama, eu sei. Agradeço aos deuses por ter ascendente em capricórnio — é o que me impede de me afundar em meus próprios sentimentos.
*A ênfase no "objetivo" é particularmente relevante pois retira da ciência o monopólio do conhecimento quando se refere a objetos [de estudo] subjetivos, como a Psicologia, que é, por essência, subjetiva — havendo, assim, uma flexibilidade um pouco maior quanto a outros métodos. Não partilho da visão, por exemplo, que a psicanálise, apenas por não ser uma ciência (em termos de hipótese, verificação, falseabilidade), passe a ser necessariamente uma forma de saber que não deva ser levada a sério. Mesmo porque, até onde me consta, o próprio objeto de estudo da psicanálise — o inconsciente — é, por definição, inapreensível objetivamente, o que impossibilita qualquer possibilidade de a ciência estudá-lo.