Do que trata a Psicanálise: do sintoma à responsabilidade

Muito se discute a respeito dos conceitos técnicos da teoria freudiana — a teoria do trauma, os processos de recalque, repressão, censura, as estruturas neurótica, psicótica e perversa; e assim por diante. São conceitos de fato fundamentais para a compreensão da Psicanálise, pois é da articulação deles que se torna possível entender como opera o inconsciente freudiano.
Entretanto, há algo de absolutamente fundamental à teoria psicanalítica que, embora surja a partir dessas formulações teóricas, vai muito além dela. Existe algo na Psicanálise que a faz apontar para uma concepção de homem. Fundamentalmente, trata-se da nossa condição de sujeitos: nossas identificações, nossos afetos, nossos sistemas pessoais de valores (o que podemos ou não fazer) e a nossa relação latente com a identidade, a alteridade e com a autoridade.
Basicamente, o que a Psicanálise quer ensinar é: tudo aquilo que uma pessoa faça, aja ou pense diz respeito a ela na sua condição de sujeito. Nós, enquanto sujeitos, nos posicionamos a todo instante — seja em relação ao Outro, a nós mesmos ou ao que consideramos ideal ou desejável. A Psicanálise irá olhar para este sujeito que existe e lhe perguntará: que pensas? que sentes? como sentes? que associações te vêm à mente? E, a partir disso, abre-se um espaço para que o sujeito, no meio do seu próprio discurso, fique evidente — mesmo (sobretudo) em seus pontos cegos. "Quando você diz/sente algo, quem é o sujeito que diz? Que sujeito é este? De onde ele vem? Que valores e identificações ele está espelhando? O que ele não se permite desejar? O que, no fundo, para além de toda a autocrítica, ele de fato deseja para si e para os outros?"
E que pontos cegos são esses? Pois é, é disso que se trata o sintoma. Simplificando bastante, é válido dizer que há um sintoma (no sentido psicanalítico do termo) sempre que agimos a despeito da nossa vontade — repetidamente, em padrões aparentemente paradoxais e incompreensíveis, e que se fazem presentes no seio da nossa relação com o Outro. São formas de se posicionar em relação ao Outro que continuamos a repetir, mesmo (sobretudo) sem querer ou perceber.
É disso que se trata o inconsciente: é um não-saber sobre si, ou, em outras palavras, um saber que diz respeito àquilo em nós que não reconhecemos como nosso; aquilo que não toleramos admitir como parte do nosso eu, mas que se faz continuamente presente em nossa vida. O objeto de estudo e de trabalho de um psicanalista é, assim, não o inconsciente em si, mas os posicionamentos subjetivos (profundos, automáticos e repetitivos) do sujeito — posicionamentos que, sim, constituem seu inconsciente.
O eu, que se julga soberano de si mesmo, descobre-se fragmentado, obrigado a lidar com o fato de que há muito sobre si que lhe escapa e que passa por processos ativos de encobrimento. "O eu não é mais senhor em sua própria casa." Está aí o terceiro golpe narcísico na humanidade, após Copérnico e Darwin.
E então, que se faz com isso? É aí que entra a responsabilidade — um tema que, se tudo correr bem, pretendo estudar mais profundamente na oportunidade de escrever uma monografia a respeito. Ou melhor, as responsabilidades. Há, em primeiro lugar, a responsabilidade de ser capaz de olhar para o seu próprio sintoma — encarar tudo aquilo em nós que nos escapa ao controle e compreensão — e se apropriar dele, dizer: isto é meu, eu o reconheço como meu; algo possibilitado pelo trabalho de elaboração. Em segundo lugar, a responsabilidade de decidir o que fazer com isto que está dado. "Ok, percebi que, em determinadas situações, sempre faço/penso/sinto isso. O que fazer?" É terrível, mas absolutamente libertador perceber que esta escolha é sua e somente sua. Perceber, compreender e aceitar que as respostas para a sua vida somente você pode se dar, e que buscá-las fora de si sempre trará o sentimento de incompletude ou insatisfação. Existe uma angústia inerente ao processo de tomar escolhas, como bem nos alertou Sartre, mas saber aceitar esta angústia e escolher mesmo assim é indispensável para a nossa emancipação frente a nossas neuroses.
Evidentemente, nada do que foi dito aqui esgota o que eu carinhosamente chamarei de espírito da Psicanálise — isto é, a concepção que ela sustenta com o auxílio e para além das suas tecnicalidades. Mas espero ter conseguido, em alguns poucos parágrafos, tornar um pouco mais acessível e compreensível a concepção psicanalítica de homem; algo que creio ser fundamental para que nos entendamos, individualmente e enquanto sociedade.